Quem disse que eu não posso dançar?
Os olhos disseram.
Comente sobre o seu desejo de fazer Ballet e espere as reações.
Entre o riso contido e o ar de reprovação, todos imaginam a mesma coisa. É uma bobagem. Não é mais. As bailarinas adultas vão dominar o mundo e percebo que não estou exagerando. Olhe para onde quizer e encontrará uma de nós.
Aos 27 anos de idade, comecei com um sonho. Não era mais de infância, tampouco era impossível. Eu desafio a gravidade e a anatomia. Adulta, desafio o tempo. O convido para dançar e ser meu amigo. Ele é o meu grande partner.
Sinto que agora eu tenho brilho diferente. Talvez seja paixão pela beleza
O encanto pela delicadeza. O apreço pela feminilidade. O amor pela leveza. A minha força. Por trás da minha candura há pés que sofrem. O meu corpo inteiro descobriu o significado da palavra dor. E o que eu faço ? Sorrio.
É mágico tomar o meu lugar na barra e ouvir o piano tocar. Nas aulas, esqueço a vida lá fora. Ali eu sou a minha primeira-bailarina preferida.
No palco, o outro lado. O figurino que aperta. O coque que repuxa. A meia-calça que incomoda. A musica começa e surge o grande medo: O erro. Ele chega e a frustração vem de brinde. Desmancho por dentro, mas continuo firme. Centrada. Linda.
A busca pela perfeição é o pote de ouro no fim do arco-íris. Eu queria ser perfeita, mas não sou. Tento o mesmo passo mil vezes e não consigo. Sinto vontade de jogar as sapatilhas na parede. Em vez disso, eu choro. Brevemente.
Depois as sapatilhas voltam aos meus pés e tento de novo. Aprendi no primeiro instante que uma vez bailarina, é para sempre. O meu corpo nunca mais foi igual nem a minha postura. O mundo está em descompasso, eu me mantenho no eixo. O mundo gira, eu acompanho e termino em quarta alongé. O mundo desmonta, eu continuo em primeira arabesque. Em um mundo de desencontros, no ballet eu me encontrei.
Agora, ninguém me olha com desdém. Sou lembrada de outra forma. Sabe quem é ela?
A Bailarina
Cássia Pires.